“Queremos integrar o Jardins moderno à natureza ancestral”
Ricardo Cardim fala sobre o projeto paisagístico do Melo Alves 645
Ao ser questionado sobre a principal inspiração para o seu trabalho, Ricardo Cardim responde de imediato: “a natureza nativa”. Com um relevante portfólio em grandes empresas e projetos de grande visibilidade, o diretor da Cardim Arquitetura Paisagística já foi premiado com o Muriqui, um dos principais prêmios ambientais do país, cedido pela RBMA-UNESCO, além da Medalha Anchieta e do Diploma de Gratidão da Cidade de São Paulo da Câmara Municipal pela descoberta de áreas de Cerrado sobreviventes na malha urbana. Em seu site, lê-se o manifesto: “O jardim é um direito não apenas nosso, mas também de toda a fauna e flora que já vivia há milênios no seu território”. Foi pensando nisso que criou o projeto para nosso edifício Melo Alves 645, sobre o qual fala na entrevista a seguir.
O que o inspirou para a criação do projeto paisagístico do Melo Alves 645?
A inspiração foi a história original do território do Jardins. O Jardins no passado era um local que tinha muita natureza. Tinha Mata Atlântica, tinha Cerrado, tinha pomares extensos – inclusive os principais grupos de jabuticabeira da cidade de São Paulo estavam na encosta da avenida Paulista. Era um local muito bacana, muito bonito. Queremos integrar o Jardins moderno de hoje – um lugar maravilhoso para se viver, com tudo perto, os melhores restaurantes, as melhores lojas – à natureza real, à natureza ancestral, a um paisagismo original, integrado à biodiversidade, respeitando a história do bairro. Então trazemos nesse paisagismo muitas espécies frutíferas e muitas árvores da Mata Atlântica, que certamente darão uma enorme contribuição para todo o bairro na restauração da biodiversidade. O que mais me encanta nesse projeto é a possibilidade de viver junto a árvores que só existiam na vida dos nossos bisavós. São espécies nativas típicas dos antigos quintais paulistanos.
Como você vê a relação entre o paisagismo e a qualidade de vida dos moradores?
Paisagismo hoje é muito mais do que decoração. A ciência mostra claramente que o paisagismo é fundamental para a saúde pública, para o equilíbrio ecológico na cidade, então ele tem que ser feito sob o rigor e o critério da ciência. Esse projeto é embasado em ciência, então ele reflete diretamente na qualidade de vida dos moradores, de forma positiva. Ele promove menores temperaturas, maior umidade do ar, menos barulho, abrigo da biodiversidade nativa e da avifauna e combate a pragas estrangeiras, como mosquitos transmissores de doenácas, cupins e baratas. Ao mesmo tempo, é um paisagismo lindo, com a exuberância da nossa Mata Atlântica, que é fantástica. É um projeto disruptivo.
Qual é o maior desafio de desenvolver projetos de paisagismo em áreas urbanas densamente povoadas como São Paulo?
Um dos grandes desafios de desenvolver projetos em cidades como São Paulo é encontrar espaço para plantar árvores. As árvores são o mais eficiente que temos em um paisagismo urbano. E ali no Melo Alves 645 temos uma área permeável no fundo que foi muito feliz para poder criar um quintal no melhor estilo do século passado, com árvores grandes, que trarão serviços ecossistêmicos muito importantes.
Quais são suas expectativas para a evolução do paisagismo em áreas urbanas como São Paulo? Acredita que tem havido uma crescente valorização desses espaços verdes?
A evolução do paisagismo em áreas urbanas como São Paulo tem sido cada vez maior. As pessoas estão conectadas à importância do meio ambiente hoje, e a gente percebe que existe um público ávido por ter mais qualidade de vida, por ter um paisagismo de verdade e não somente aquele monte de plantinha decorativa estrangeira. Um paisagismo que atrai pássaros, em que se pega a fruta no pé, que tem árvores grandes. Então, sim, há uma crescente valorização nesse sentido. O paisagismo, se bem feito e embasado em ciência, com biomassa, com diversidade de espécies, com respeito à biodiversidade nativa, tem um elevado potencial de resolver problemas urbanos, como ilhas de calor, a questão de diminuir enchentes, absorver água da chuva e levá-la para o lençol freático. São boas práticas, que já são amplamente difundidas pela ciência, mas não praticadas no paisagismo brasileiro. Então, nesse projeto, trabalhamos muito essa área permeável do terreno, que é importantíssima para a recarga do lençol freático, e teremos árvores de sombra, árvores grandes, que irão realmente abrigar passarinhos. Estou muito feliz com esse projeto.
Há outros paisagistas ou projetos ao redor do mundo que você admira?
Não, de jeito nenhum. Acredito que o que temos aqui no Brasil é a natureza mais rica do mundo, e ela sim é o que deve ser admirado.