Fotografia de arquitetura com Nelson Kon
“O grande momento da fotografia é o momento da concepção, quando pré-visualizo a imagem, antes mesmo de apontar a câmera”
Especialista em fotografia de arquitetura e cidades desde 1985, Nelson Kon tem como foco imagens da arquitetura brasileira moderna e contemporânea. Formado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), ele trabalhou com diversas editoras brasileiras, como Abril, Coasc & Naify e Martins Fontes, e estrangeiras, como Phaidon, Rizzoli e Taschen. Além disso, ministrou cursos de fotografia de arquitetura no Senac, na FAU-USP e na Universidade Mackenzie, entre outros. Em 2013, a editora Ipsis lançou um livro sobre a obra de Kon, que leva seu nome, e revela como suas fotografias captam o meio urbano, ora ilustrando ou documentando, ora revelando a poética silenciosa oculta em uma obra arquitetônica. Em entrevista à MOS, ele fala sobre sua trajetória e compartilha dicas de como conseguir o melhor registro.

Como você começou sua carreira como fotógrafo de arquitetura? Qual foi o seu ponto de partida?
Estudei na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e, já no 1º ano, conheci o ótimo laboratório fotográfico de lá e não saí mais. Apesar de nunca ter fotografado antes, eu me encantei e passei os cinco anos da graduação fotografando e processando imagens no laboratório intensamente. Depois disso, a opção profissional pela fotografia de arquitetura foi muito natural.
Como a fotografia de arquitetura se difere das demais modalidades (de natureza, retratos, fotojornalismo etc.)?
Se pensarmos a arquitetura como todo o mundo construído pelo homem, encontramos muitas semelhanças com a sua fotografia e as outras especialidades fotográficas, mas o que é específico dela é a presença do engenho humano – estamos sempre fotografando coisas construídas pelo homem, de cabanas a cidades.
Que habilidades essenciais um fotógrafo de arquitetura precisa ter para capturar efetivamente a essência de uma construção?
Comum a todas as formas de fotografia é o olhar atento e a capacidade de interpretar objetos tridimensionais e situações que mudam com a passagem do tempo e transformá-los em imagens bidimensionais, imóveis, paralisadas. O que há de específico para o fotógrafo de arquitetura é o domínio do repertório arquitetônico e construtivo – seus detalhes, sua forma de pensar os espaços e soluções. É preciso conseguir produzir algumas imagens que explicitem as intenções do arquiteto e outras que consigam mostrar aquilo do jeito que é vivido pelas pessoas, independentemente do desejo deste arquiteto.
Como você se prepara para uma sessão de fotografia de arquitetura?
A situação ideal seria uma visita ao local acompanhado do arquiteto para conhecer o projeto, conversar um pouco e avaliar todas as possibilidades – espaços significativos, comportamento da luz ao longo do dia, detalhes relevantes, etc. Mas raramente isso é possível. O mais comum é uma conversa por vídeo ou telefone, tendo desenhos e fotos enviados pelo próprio arquiteto em mãos e uma consulta ao Google Maps para entender a insolação.
Como você lida com desafios como condições climáticas imprevisíveis e iluminação irregular?
Depende muito do projeto e das condições propostas pelo cliente. Acompanho a previsão do tempo e tento agendar para um dia favorável. Em geral, fotografo devagar, utilizando o começo da sessão para observar mais do que fotografar. Na maioria das vezes, o trabalho dura mais de um dia, de forma que eu posso ter a melhor condição de luz para cada situação específica. Quase nunca utilizo iluminação extra porque considero que um projeto de arquitetura contém um projeto de iluminação e é com ele que eu trabalho.
Como você aborda a edição pós-fotografia em suas imagens de arquitetura? Há ferramentas ou técnicas que você usa mais?
Para mim, o grande momento da fotografia é o momento da concepção, quando pré-visualizo a imagem, antes mesmo de apontar a câmera. Ali, a fotografia já está pronta na minha cabeça. Tudo, a partir daí, é o caminho necessário para que aquela concepção se transforme numa imagem.
A pós-produção é este caminho – não crio nada, não acrescento nada, só realizo a idéia inicial. Tenho dois assistentes que tratam as imagens e que, aos poucos, vão cada vez dominando melhor as ferramentas e entendendo o que eu quero como resultado final. Usamos os programas da Adobe: Lightroom, Photoshop e Camera Raw e, em algumas situações, o programa Photomatix Pro. Tenho computadores com boa capacidade de processamento gráfico e monitores calibrados eletronicamente.
Pode compartilhar um projeto de fotografia de arquitetura que tenha sido particularmente desafiador ou memorável para você?
Mencionaria aqui um projeto muito antigo, de 1994-1998, que foi desafiador e memorável para mim: o Projeto Arte Cidade, um projeto de intervenções artísticas em espaços urbanos da cidade de São Paulo, onde me foi atribuída a tarefa de desenvolver ensaios fotográficos que mostrassem um pouco o espírito dos trabalhos artísticos que seriam apresentados. Esses ensaios foram um marco na minha trajetória e mudaram muito a perspectiva do meu trabalho, ainda que não fossem tipicamente arquitetônicos.
Que fotógrafos de arquitetura o inspiram?
Muitos, é claro. A princípio, os fotógrafos de rua dos meados do século passado: Eugene Atget, Cartier-Bresson, Brassai, Walker Evans, Robert Frank, Josef Koudelka, Joel Meyerowitz. O mais importante fotógrafo brasileiro de arquitetura e cidades, Cristiano Mascaro. Entre os fotógrafos de arquitetura especificamente citaria o japonês Yukio Futagawa, GE Kidder Smith, Julius Shulman, Hilla e Bernd Becher, Iwan baan, Fernando Guerra, Andreas Gursky, e os brasileiros (não-brasileiros) Marcel Gautherot, Peter Scheier e Hans Günter Flieg.
Como você mantém sua criatividade e inspiração ao fotografar edifícios repetidamente?
Não sei se a mantenho. Com tantos anos na fotografia e a experiência que vem junto com isso, sinto que as situações que me são apresentadas parecem, na maior parte das vezes, já vistas; e é bastante difícil olhar com “novos olhos”, novas perspectivas – não sei se consigo.
Como você vê o futuro da fotografia de arquitetura? Existem tendências ou mudanças na indústria que você acha que serão importantes?
Certamente, sim. Mas não sei dizer qual será a direção. Não sou, como profissional, uma daquelas pessoas que está sempre correndo atrás de estar “up-to-date”, sempre na vanguarda. Gosto das novas tecnologias e me entusiasmo com as novidades, mas nunca sou o primeiro a adotá-las.