Fotografia de arquitetura com Manuel Sá
“Tão importante quanto o que vemos em uma fotografia é também o que não vemos”
Um dos responsáveis por capturar em imagens os projetos da MOS, Manuel Sá foi eleito um dos 25 fotógrafos de arquitetura emergentes em todo o mundo pela plataforma Archdaily e já realizou trabalhos para publicações como Taschen, Monolito, Design Milk e Design Boom, entre outras. Como arquiteto, trabalhou com Minho Arquitetos (João Filgueiras Lima Lelé), Brasil Arquitetura e Nitsche Arquitetos. Em entrevista à MOS, ele fala sobre o início da carreira e as particularidades e os desafios da profissão.
Como você começou sua carreira como fotógrafo de arquitetura? Qual foi o seu ponto de partida?
O começo da minha carreira como fotógrafo de arquitetura aconteceu quando o Archdaily Brasil me convidou para publicar fotos que fiz do Museu de Arte Moderna da Bahia, projeto de Lina Bo Bardi, numa matéria sobre as obras da arquiteta publicada em 2013.
Nesse período eu ainda atuava como arquiteto em um escritório de São Paulo, desenvolvendo projetos e acompanhando obras, e percebi esse caminho.
Como a fotografia de arquitetura se difere das demais modalidades (de natureza, retratos, fotojornalismo etc.)?
A fotografia de arquitetura comissionada tem o objetivo de informar os espaços construídos e segue uma tradição que se mistura com as origens da própria fotografia, inventada em 1826. Na metade do século 19 as principais cidades no mundo já possuíam seus fotógrafos de arquitetura e o foco principal já era registrar a arquitetura em seu primor construtivo para divulgação.
Ela difere das fotos de natureza, retratos e fotojornalismo por uma série de fatores, como equipamentos específicos para representar e enquadrar os espaços, tripé, escolha de luz natural ou artificial, lentes tilt shift e, principalmente, o tempo destinado para o registro, que pode levar alguns dias. No fotojornalismo, o instante e os atores presentes são fatores decisivos e não planejados, afinal, é impossível prever a hora de um bombardeio ou tratado de paz. Já na fotografia de arquitetura é essencial aguardar e planejar o momento ideal, seja o horário em que o sol bate na fachada, a produção dos ambientes, a presença ou ausência de pessoas. Os processos, planejamentos e objetivos da foto de arquitetura são específicos, geralmente criando profissionais dedicados apenas a esse campo.
O objetivo principal da fotografia de arquitetura é, de certa maneira, transformar uma obra pesada, às vezes de difícil acesso ao público, em um leve objeto bidimensional e acessível, lançando assim essa arquitetura num mapa de divulgação e êxito, seja para um público leigo ou especializado. Afinal, quantas obras fotografadas alguém conseguiria visitar?
Que habilidades essenciais um fotógrafo de arquitetura precisa ter para capturar efetivamente a essência de uma construção?
Um fotógrafo de arquitetura precisa estar em sintonia com tudo o que é precioso para um escritório de arquitetura, afinal, um projeto pode passar anos dentro de um escritório e a responsabilidade de representá-lo é imensa. É necessário ter uma relação forte com o desenho arquitetônico, onde os planos da perspectiva e pontos de fuga estão deslocados no enquadramento, e, principalmente, ter poder de síntese, pois o tempo de todos é limitado e cada obra possui áreas com muito apelo fotográfico e outras naturalmente nem tanto.
O planejamento antes das fotos é tão importante quanto as fotos, pois geralmente os espaços costumam estar mais despojados, e o rigor da fotografia de arquitetura consiste também em organizar absolutamente tudo, como os livros na estante, o extintor fora de lugar, o vidro que pode estar sujo. Tão importante quanto o que vemos em uma fotografia é também o que não vemos.
Como você se prepara para uma sessão de fotografia de arquitetura?
A preparação para uma sessão de fotos de arquitetura começa antes da diária fotográfica. Se reunir com o escritório e entender as demandas é essencial, afinal são muitas pessoas envolvidas. Seriam fotos de acervo? Fotos para publicação? Existem revistas de arquitetura em que os enfoques são completamente diferentes: algumas preferem uma arquitetura mais pura, outras mesclam os espaços com o estilo de vida dos moradores. A produção faria sentido para ajudar a contar as histórias? A obra finalizada está controlada e em sintonia com o projeto arquitetônico? Quantas fotos seriam necessárias? A previsão do tempo estaria favorável? A melhor maneira de se preparar é ter uma boa conversa antes com todos os envolvidos.
Como você lida com desafios como condições climáticas imprevisíveis e iluminação irregular?
Está cada vez mais difícil ter uma previsão do tempo com semanas de antecedência. O ideal é ver a previsão do tempo na véspera das fotos, pois é um trabalho que envolve uma programação na agenda do fotógrafo, do escritório de arquitetura, das pessoas responsáveis pela produção e organização dos espaços e dos donos da casa, apartamento, ou de espaços comerciais. A iluminação irregular necessita de diversas exposições do mesmo ângulo, então geralmente o fotógrafo volta para o escritório com uma quantidade imensa de fotografias para organizar e tratar.
Como você aborda a edição pós-fotografia em suas imagens de arquitetura? Há ferramentas ou técnicas que você usa mais?
Às vezes a edição das fotografias demanda mais tempo e energia que a diária fotográfica, pois cada projeto é único, então é impossível usar presets e fórmulas prontas. Costumo utilizar o Lightroom e o Photoshop nessa etapa, testando equilíbrio de sombras e luzes, cores, enquadramentos, correções de perspectiva e remoções, sempre buscando a sintonia com o projeto arquitetônico.
Pode compartilhar um projeto de fotografia de arquitetura que tenha sido particularmente desafiador ou memorável para você?
A Fundação Iberê Camargo, do arquiteto português Álvaro Siza, é um desafio. O Siza pensa a arquitetura enquanto percurso arquitetônico, onde sua obra muda a cada passo, o que é naturalmente anti-fotográfico. Transformar uma obra do Siza, que afeta todos os sentidos, num objeto bidimensional fotográfico é assumidamente uma redução, então para mim é um projeto extremamente intimidador e memorável.
Que fotógrafos de arquitetura o inspiram?
Helene Binet e Iwan Baan. Ambos com abordagens completamente diferentes na representação da arquitetura na fotografia, mas com carreiras riquíssimas.
Como você mantém sua criatividade e inspiração ao fotografar edifícios repetidamente?
Tão importante quanto fotografar é pausar. Deixar de ser estimulado pelas telas, pelas cidades que não param de fazer barulho. Se trabalho tratando muitas fotos em pouco tempo, literalmente deixo de ver. E sei que isso acontece com qualquer profissão.
Parar e fazer apenas uma atividade offline se tornou um luxo, infelizmente, então ler um livro, procurar um filme feito por grandes diretores e mais recentemente pintar se tornaram escapes importantes para mim. Lavar o olhar é essencial.
Como você vê o futuro da fotografia de arquitetura? Existem tendências ou mudanças na indústria que você acha que serão importantes?
A tecnologia sempre sacode nossas vidas. Em certos aspectos, a fotografia se transformou imensamente, saindo do filme químico para o sensor digital, e as revistas impressas migraram para as telas. Um drone, por exemplo, simplificou a fotografia aérea, para a qual antes era necessário alugar um helicóptero para fotografar uma obra. Por outro lado, abrir uma revista de arquitetura do século 19 é perceber que sua diagramação se parece muito com um post do instagram. O consumo da fotografia mudou, ampliou-se profundamente, mas se tornou rápido, e o desafio é lidar com a indústria da atenção. Diante disso, cabe aos escritórios focar imensamente nas estratégias mais efetivas para divulgar uma obra, e elas são muitas.
Creio que a fotografia ainda seja a maneira mais direta para fazer isso acontecer, pois uma foto é mais sintética na hora de explicar uma obra do que um vídeo, por exemplo. Cabe então, diante de fotos ou vídeos, escolher o que mais se aplica a cada público e a cada plataforma de divulgação. A rede entre arquitetura, fotografia e publicações permanece.